Crime organizado e o dilema ideológico
Artigo de opinião *
Por Anselmo de Oliveira Rodrigues – Coronel do Exército Brasileiro, Doutor em Ciências Militares e Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos do Exército
Atônita, a sociedade brasileira assistiu à operação policial desencadeada pelo
governo do Estado do Rio de Janeiro no dia 28 de outubro de 2025, no complexo do
Alemão e da Penha, no subúrbio carioca. As imagens passadas pelos canais de televisão
e que circularam pelas mídias sociais retratavam um verdadeiro cenário de guerra, em
que o Estado, representado pelas forças de segurança, travava combate contra o crime
organizado, que por sua vez, esteve representado pelo Comando Vermelho.
Mais do que um confronto policial, o episódio expôs a escalada do poder e da
sofisticação do crime organizado no país. Cada vez mais estruturado, o crime
organizado vem utilizando técnicas, táticas e procedimentos que, até então eram
circunscritos às Forças Armadas e às forças de segurança, como emprego de drones
armados, emprego de obstáculos de contramobilidade e proteção, utilização de fuzis e
coletes importados, emprego de vasto arsenal de munições de diversos calibres, dentre
tantos outros materiais de emprego militar identificados. Essa militarização das
organizações criminosas revela um fenômeno preocupante: o crime não apenas resiste
ao Estado, mas o desafia em condições quase simétricas de combate.
E não para por aí. Os números da operação policial são impactantes. Segundo a
imprensa, 121 pessoas morreram, sendo 04 policiais e 117 criminosos. É um saldo de
baixas bastante expressivo, superior até em um dia de combate entre Estados nacionais,
como a guerra entre Rússia e Ucrânia.
Para que se tenha uma ideia desses números, segundo a doutrina militar brasileira,
o escalão de combate de um Batalhão de Infantaria é composto por duas Companhias de
Fuzileiros. O escalão de combate de uma Companhia de Fuzileiros, por sua vez, é
formado por dois Pelotões de Fuzileiros. Considerando que o efetivo de um Pelotão gira
em torno de 30 militares e que no complexo da Penha e do Alemão morreram cerca de
117 criminosos, o equivalente ao escalão de combate de um Batalhão de Infantaria, não
é nenhuma utopia afirmar que, no dia 28 de outubro de 2025, o poder de combate do
Comando Vermelho sofreu uma perda correspondente a um Batalhão de criminosos.
Esses dados escancaram a dimensão do problema. Com tamanha estrutura, efetivo
e poderio bélico, não restam dúvidas de que o crime organizado possui ramificações
internacionais e em diversas instituições e locais do país. O avanço obtido pelo crime
organizado nos últimos anos é alarmante e impressiona quanto à sua audácia e alcance,
colocando em risco a vida e a segurança de milhões de pessoas.
No entanto, em vez de promover uma discussão séria sobre as causas e
consequências desse fenômeno, o país mergulhou mais uma vez em uma disputa
ideológica. De um lado, setores mais à direita defendem a operação policial tal como foi
conduzida, considerando legítimo o uso da força em nome da lei e da ordem. De outro
lado, grupos mais à esquerda criticam a ação, argumentando que o Estado violou
gravemente o respeito à vida e aos direitos humanos. Entre um extremo e outro, a
realidade concreta – a de uma sociedade refém do crime e da insegurança – continua
sendo negligenciada.
Não se trata de escolher lados, mas de reconhecer que o enfrentamento ao crime
organizado exige muito mais do que operações pontuais. É preciso compreender que as
vítimas dessa violência, sejam policiais, civis ou até os jovens aliciados pelo tráfico, são
fruto de fragilidades estruturais muito mais complexas e profundas, que envolvem
desigualdade social, ausência do Estado e falta de oportunidades.
Infelizmente, o grande perdedor nesse embate ideológico é o povo brasileiro, a
verdadeira razão de ser do Estado. É a sociedade que decidirá se aceitará ou não a
expansão do crime organizado; é a sociedade que definirá se quer presenciar novamente
cenas como as que chocaram o país; é a sociedade que escolherá se deseja viver em um
país onde boa parte do território é controlada pelo crime organizado, restringindo o livre
acesso das pessoas. Essa escolha não depende de crença religiosa, ideologia ou condição
social, depende, sobretudo, de vontade política e de união nacional.
Vencer essa guerra não significa apenas eliminar criminosos, mas reconstruir as
bases que sustentam a cidadania e o Estado de Direito. Para isso, é imprescindível uma
estratégia nacional abrangente, que abarque todos os campos do poder nacional e que
não se limite apenas ao emprego do poder militar.
Sem essa convergência de esforços, o Brasil corre o risco de assistir passivamente
à consolidação de um poder paralelo que já não teme o Estado, mas o confronta de igual
para igual!
***Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Editoria do Noticias Sul de Minas***



Publicar comentário